Estação AP42

Por Antonio P. Carvalho

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Um trabalho de matar – 'No Other Choice'

Cena de No Other Choice

Man-soo é um pai de família que trabalha numa fábrica de papel. Ao longo dos anos, conquistou o respeito de seus colegas e, até então, de seus empregadores. Todavia, tudo isso muda quando a companhia é vendida para uma empresa estrangeira que, tal qual ocorre em Tempos Modernos de Chaplin, tem toda a sua produção mecanizada, reduzindo consideravelmente a necessidade de intervenção humana.

Durante quase uma hora do desenrolar da trama, somos apresentados à sua família e, respectivamente, às suas vidas sociais. Sua esposa pratica tênis e frequenta aulas de dança toda semana; a filha do casal tem aulas de violino; e o filho mais velho, um ponto fora dessa curva, comete pequenos delitos. Ah, há também os dois cães da família. A princípio, eles parecem pouco relevantes à trama central, meros figurantes de um cenário doméstico perfeito. Até então, durante essa primeira hora, isso é tudo o que Park Chan-wook nos apresenta.

O que ocorre nos minutos seguintes é a premissa principal. A demissão chega não como um acidente, mas como uma sentença. Confrontado com a obsolescência e vendo as portas do mercado se fecharem uma a uma, Man-soo percebe que a competência técnica já não é moeda de troca válida. É aqui que a narrativa sofre uma guinada brutal: ao descobrir uma vaga perfeita em outra empresa — a única tábua de salvação para manter o status quo de sua família —, ele decide que a única forma de garantir o emprego é eliminando fisicamente a concorrência.

O que se segue é uma descida ao inferno corporativo literal. Man-soo obtém os currículos dos outros candidatos e inicia uma caçada metódica. Park Chan-wook despe a violência de qualquer glamour; os assassinatos são desajeitados, sujos e exaustivos, refletindo o desespero de um homem comum forçado a cruzar uma linha moral irreversível. Ele não mata por sadismo, mas com a frieza burocrática de quem preenche uma planilha. Cada rival eliminado é apenas um obstáculo a menos entre ele e o contracheque.

Enquanto Man-soo se ocupa de assassinar seus rivais, uma série de intercorrências preenche a trama doméstica. A esposa começa a trabalhar como assistente de um dentista, engolindo o orgulho para somar na renda. O filho assalta a loja do pai de um amigo — no que ele mencionará depois ser uma tentativa torta de ajudar a família. A filha, entretanto, talvez seja a vítima mais silenciosa: ela continua tendo aulas de violino, mas os cães da família são entregues aos sogros numa tentativa de reduzir os gastos. A menina é a que mais sofre com essa perda; fato curioso e poético é que a jovem nunca toca o instrumento para os pais, mas tocava para os cães, revelando onde residia o verdadeiro afeto da casa.

Há ainda no filme nuances de como o desemprego afetou os concorrentes de Man-soo, o que é igualmente comovente, embora não seja o foco principal. Por sinal, o protagonista comete uma série de deslizes ao se atrapalhar num dos assassinatos e tenho para mim que a esposa, com certeza, sabia de muito mais do que dizia em voz alta.

De todo modo, por fim, o filme é bom, mas para além disso, é necessário, mesmo sendo uma refilmagem. Park Chan-wook dedica a obra a Costa-Gavras, que dirigiu o original O Corte.

Cortinas fechadas e sessão encerrada. Na modesta opinião deste cinéfilo, acredito que filmes dessa seara são importantíssimos, pois posicionam o cinema para além do entretenimento e o utilizam como ferramenta social — algo que já vimos diversas vezes no universo do britânico Ken Loach (corra e assista Eu, Daniel Blake, caso ainda não o tenha feito) e, claro, do magnífico Costa-Gavras.